sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Desertor - Análise da Obra - UFMG/2011 - Parte II


Olá a todos! Concluímos nesta postagem a análise da obra O Desertor de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, com Canto IV e Canto V, não deixe de conferir a primeira parte de nossa análise clicando aqui.


Canto IV

Inicia-se com Tibúrcio, que havia se separado do grupo na briga da estalagem, reaparecendo na narrativa.
A segunda estrofe mostra que quem cuida da porta da prisão é Amaro, pai de Dorotéia, moça dos sonhos de Rufino. Vigilante atento, porém medroso de tudo que a noite produz de sons, é enganado pela Ignorância que agora se passa por um religioso penitente que vive isolado no rigor de uma vida austera.



O vigilante prepara e serve uma farta refeição para frágil e penitente visitante que, depois de alimentado, começa falar em tom de profecia:

Pois tanta caridade usais comigo,
O Senhor, que reparte os seus tesoiros,
Vos encherá de mil prosperidades.
A vossa filha... mas convém que eu cale
Os segredos, que o Céu me comunica,
Inda vereis nascer entre riquezas
Os venturosos netos, doce arrimo
Aos fracos dias da caduca idade.



Comovido com as palavras proféticas, Amaro narra a triste história de seu filho Leandro que morreu de doença da bexiga aos dez anos. Enquanto narra, a Ignorância transforma-se na velha e sábia Marcela que lê a sorte de Dorotéia:

Sobre pequeno pau, a que se encosta,
Ela vem debruçada pouco a pouco,
O semblante enrugado, os olhos fundos,
Contra o nariz oposta a barba aguda:
Os dous últimos dentes balanceiam
Co pestífero alento, que respira.


Dorotéia, em segredo, lhe mostra a mão querendo que a velha assim possa traduzir as confusas palavras de Tibúrcio. Na quarta estrofe Marcela começa a falar sobre o futuro da moça que terá como esposo um cavalheiro que está preso naquela prisão. A vidente revela que o nome do mancebo é Gonçalo, que o mesmo é rico e nobre. A moça já se sente como amante e pensa na melhor maneira de dar ao seu herói a liberdade.

  • A Ignorância convence Dorotéia que manda comida e recado para Gonçalo. Este por sua vez pensa com certa culpa em Narcisa e mesmo sem conhecer Dorotéia sente no coração o desejo de novas amarras.
  • Na quinta estrofe, com a chegada da noite, o silêncio impera e Gonçalo cansado, pouco a pouco vai se esquecendo de seus planos, boceja, dorme e sonha. Sonha com a brilhante verdade, a severa justiça e a paz ditosa.

O próprio narrador manifesta o desejo que nosso herói retorne à razão e usa a imagem do trono e da Coroa portuguesa:

Benignos Céus, enchei meus puros votos:
Fazei que esta celeste companhia,
Como do terno Avô rodeia o trono,
De seu Neto imortal orne a Coroa.



Em sonho Gonçalo recebe a visita das luzes. O herói teme encará-las e tenta se proteger colocando as mão sobre os olhos. Porém, pela voz da verdade, a reforma da Universidade, expressa no verso “Do meu nascente Império a nova glória”, tenta convencê-lo a retornar destacando as inovações em Coimbra.

A pérfida ignorância foi substituída pela razão ilesa e pura. Esta estrofe é um elogio às expectativas oriundas da reforma que abrirá o caminho para a volta da filosofia racional, para a física e a história natural por meio dos ótimos e famosos professores que foram atraídos de diversas partes da Europa:


Eu sou quem de intrincados labirintos
Pôs em salvo a Razão ilesa, e pura.
Eu abri aos mortais os meus tesoiros:
Fiz chegar aos seus olhos quanto esconde
No seio imenso a fértil Natureza.
Pode uma destra mão por mim guiada
Descrever o caminho dos Planetas:
O mar descobre as causas do seu fluxo:
A Terra... mas que digo? Que ciência
Não fiz tornar às margens do Mondego,
Ou dentre os braços da Latina Gente,
Ou dos belos países, cujas praias
O mar azul por toda a parte lava?

A reforma continua falando a Gonçalo que a Firmeza do Estado e da Igreja também é construída pela razão e pela verdade que também trazem a paz ao povo que é dito Eu vejo renascer um Povo ilustre / Nas armas, e nas letras respeitado. A Lira de Mercúrio (deus romano encarregado de ser o mensageiro de Júpiter) mencionada é uma referência ao conhecimento em outras terras das notícias da reforma.

Continua ainda as luzes a tentar convencer Gonçalo a aderir a reforma arguindo-o se era o froxo, o estúpido, o insensível? E se sacrificaria tudo: nome, honra, pátria, para continuar na ociosidade da vida causada pelo domínio dos padres na sua formação:

Serás o frouxo, o estúpido, o insensível?
Sacrificas o nome, a honra, a Pátria
Aos moles dias de uma vida escura?
Cego, errado mortal, vê que te enganas.

Gonçalo desperta assustado, olhando para todos os lados, porém não encontra as imagens que dantes eram tão reais. Sente a suave força da verdade, mas ainda recusa abraçá-la, o que gera o lamento do narrador: Triste sorte/ D’alma infeliz, que ao erro se acostuma!

Na oitava estrofe é apresentada a investida de Dorotéia na tentativa de libertar o seu agora amado. Ela, na escuridão, invade a prisão e no descuido acorda o pai. Amaro começa gritar achando que está sendo visitado por fantasmas e bruxas. Tibúrcio se enrola como um fantasma e vai até os aposentos do velho e diz que estava ali para levá-lo. O velho se arrepia e perde a voz. A filha aproveita para abrir as portas e libertar o seu prometido e seus companheiros. Para Amaro só lhe resta a solitária companhia de seus temores.

  • Amaro, na nona estrofe, é consolado por Tibúrcio, que ainda estava como o profeta, ao perceber que a prisão estava vazia e que sua filha também havia partido. O pai fica desconsolado e Tibúrcio parte com a esperança de se encontrar co valente esquadrão dos fugitivos. 
  • Já pela manhã quem ele encontra é Rufino com sua mágoa incosolável. Dorotéia havia partido com outro, se pergunta que se o sonho lhe inspirou para mais tarde vê-la insultando o seu amor fiel. E afirma que seria mais feliz se a morte viesse cobrir-lhe os olhos.
  • Tibúrcio busca pelo grupo no caminho horroroso e reencontra com Gonçalo
  • O Desertor derramando-se em alegria se sente fortalecido ao rever o companheiro que sempre com conselhos lhe evita e previne males. 
  • Porém o texto cita Aos dois Troianos, que uma cega noite, referência direta à Eneida, de Virgílio, em que a  personagem Euríalo tornou-se visível para seus inimigos por causa do brilho de seu capacete e acaba morto por isso.
  •  Tibúrcio também é reconhecido por Dorotéia como o profeta que profetizou sua união com Gonçalo. A moça se sente culpada.

Então o Amor prega uma peça ao Desertor. É narrada a paixão que nasce entre Dorotéia e Cosme. Porém Gonçalo, observando escondido os dois amantes, descobre a traição e investe contra o companheiro. E dois grupos se formam: Cosme, Rodrigo  e Bertoldo de um lado e Gonçalo e os outros companheiros do outro.

A briga era de pedra contra pedra, até que Dorotéia pega a espada abandonada por nosso herói e tenta golpear o Desertor. A morte só não acontece porque Tibúrcio consegue segurar a tempo o braço da moça.

O amante e seus dois companheiros fogem. Assim, como Hércules que foi envenenado por sua Dejanira, Gonçalo sente-se aflito, raivoso e enciumado por conta de Dorotéia. E o quarto canto termina com a moça dominada e aguardando a sentença do seu destino.


Canto V

  • O destinio de Dorotéia será decidido pelos três companheiros:
  • Deixá-la em liberdade e que encontre a ira de seu ultrajado pai. 
  • Que sua morte seja exemplo e que encha de horror outras desleais amantes. 
  • Porém Gonçalo, o único ofendido, no início se enternece, mas depois o ciúme lhe domina e a vingança fala mais alto.
  • Então prende Dorotéia ao tronco de um pinheiro. E como forma de aviso, o narrador adverte para as filhas  namoradas que o destino da moça é o prémio do Amor para quem perde a razão. A filha de Amaro geme e espera sem defesa o seu fim.


Dorotéia lamenta ter acreditado em Marcela e pragueja contra a bruxa:

Sem esposo, sem pai, sem liberdade
Mísera Dorotéia chora, e geme.
Ai, Marcela cruel, que m'enganaste
Com teus belos, fantásticos agouros!
Queira o Céu que outras lágrimas sem fruto
Mil vezes tresdobradas te consumam
Os encovados olhos! Que inda a Morte
Às tuas vozes surda correr deixe
Piorando em seu curso vagaroso
Os momentos de dor, e de amargura!

Abandonada Dorotéia se vê agora rodiada pelas dores, remorsos, fome e a morte.  Porém a Fortuna cansada de ouvir as tristes queixas de Rufino leva até o amante os ecos dos gemidos da moça. E pela mão do Acaso é conduzido até Dorotéia. E mesmo depois de tanto lhe causar sofrimento, o rapaz enxerga ainda na moça a sua amada. E a quinta estrofe sela o encontro dos dois.

Enfim o grupo chega em Mioselha. O Desertor mostra os campos e o vilarejo começa aparecer. Tibúrcio é ridicularizado pelo narrador, comparando sua sede por vinho com a de um bezerro que passou a noite toda separado de sua mãe e berra por ter a boca sedenta de seu leite.





  • Cosme, por vingança, relata para o Tio de Gonçalo toda a história do Desertor até a chegada a Mioselha. 
  • Gaspar determina que os companheiros sejam abrigados em sua casa, o que aflinge a dona da casa que espera que a fome os faça partir. 
  • É servido ao grupo uma ceia leve e Tibúrcio lamenta lembrando do tempo que vivia em uma confraria rica e vivia sempre em companhia da Abundância. 

Gaspar mostra a biblioteca do seu tio. Aqui o narrador se coloca como crítico das obras listada, quase todas seiscentistas, combatidas por Alvarenga, com fins edificantes e religiosos.


Enquanto o grupo aprecia as prateleiras, Amaro segue os passos do esquadrão que fama já possui de suas proezas. E na estrofe onze o povo cerca a casa da tia de Gaspar querendo enfrentar os desertores. Porém a Ignorância fala pela boca de Gonçalo convocando os seus heróis para enfrentar a plebe.


O combate é feito com uma talha como improvisada arma que espalhou cinzas sobre a turba. Amaro anima para que continuem a investida e atiram coisas pela janela.
Com a derrota iminente, Gonçalo consegue fugir e depois Gaspar deixando Tibúrcio, por ser gordo e não ser ágil, sozinho entre a Plebe.


Chegamos no epílogo,  a última parte de uma epopeia, e nosso herói enfim chega a casa de seu tio. Gonçalo, cansado, ainda traz em si o coração endurecido pela teimosa Ignorância. O tio o ameça e o tenta convencê-lo a voltar aos estudos, mas o Herói inflexível só responde/ Que não há de mudar do seu projeto. A resistência de Gonçalo e comparada a Cintra, serra de Portugal e ao Pão de Açucar, rochedo na barra da Cidade do Rio de Janeiro.

A estrofe 15 apresenta enfim a derrota da Ignorância, tema central do epílogo. Pois da voz do tio vem o conhecimento dos atos torpes da viagem do sobrinho e também o castigo de não recebê-lo em sua casa, batendo na cara do Desertor o ferro da porta que se fecha.



Gonçalo que ao menos ainda vive e tem a Glória de trazer consigo a derrotada estúpida Ignorância, que se contenta de ter roubado o preço inútil de fracos Cidadãos e que reina no peito do Desertor

A última estrofe o narrador adverte a Ignorância, aconselhando o Monstro orgulhoso a gozar sobre os espíritos baixos, pois o Defensor das Ciências, o Marquês de Pombal, já as faz renascerem e fecundar os campos gerando flores e frutos. E que o poder real possa banir a Ignorância, que se encontrava até então os estudantes da Universidade de Coimbra, para o mais distante e inacessível lugar.

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