quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Treinamento de Questões Abertas - Vestibular UFMG/2011



Para inspirar:


Questão 1

De acordo com o crítico Alberto Pimentel, as personagens femininas da obra O Desertor, de Silva Alvarenga, são opostas às mulheres presentes na poesia lírica árcade.
Tendo em vista as personagens Guiomar e Narcisa, do canto I, de O Desertor, redija um texto comentando a afirmação do crítico.

Glaura

Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Sobre a relva o sol doirado
Bebe as lágrimas da Aurora,
E suave os dons de Flora
Neste prado vê brotar.


Marília

A minha amada
é mais formosa 
que branco lírio, 
dobrada rosa, 
que o cinamomo, 
quando matiza
co’a folha a flor: 
Vênus não chega 
ao meu amor.
Vasta campina, 
de trigo cheia, 
quando na sesta 
co vento ondeia, 
ao seu cabelo, 
quando flutua, 
não é igual. 
Tem a cor negra, 
mas quanto val!


  • Narcisa — que comicamente nos remete a Narciso, personagem mitológico associado à beleza — então raivosa, finge se esquecer do véu para cobrir a cabeça, para mostrar ainda mais sua ira, repreende Gonçalo sobre sua sorte: ser infeliz, enganada e descontente. E recordando-o de suas promessas e juramentos, acusando-o de perjuro, afirma que tal enganação não ficará sem castigo; seja com as prisões do mundo, seja com os raios do Céu.

Mulheres árcades – pastoras, vida simples no campo, nem sempre corresponde ao amor do pastor, mas não é infiel.
Guiomar – velha ambiciosa, comparada a uma ave de rapina; quer a tranquilidade material para sua família.
Narcisa – enfeita-se excessivamente para convencer Gonçalo a não partir. Briga com Tibúrcio por causa da bolsa de dinheiro que recebe de Gonçalo. Sente prazer em manusear o dinheiro e sente-se compensada com a partida de Gonçalo (já que ficou com o dinheiro)


Questão 2

Tendo em vista o início do “Canto II”, quando o narrador da obra O Desertor, de Silva Alvarenga, descreve os viajantes, redija um texto COMENTANDO a afirmação do crítico Nelson Piletti: (1,5 pt)
“Os retratos físicos ou psicológicos da turba de anti-herois que seguem na viagem para Mioselha também não se afastam do procedimento básico que consiste em inverter o registro alto presente na lírica e na épica.

Os estudantes são apresentados como um bando de idiotas – um que traz papéis carunchosos para provar sua ascendência nobre; outro que é melancólico – ama e não sabe a quem; outro que é ignorante, rústico – enfim, trata-se de estudantes que não se dispuseram a enfrentar os estudos e a reforma da universidade. São vistos mais como incapazes do que como heróis.


Questão 3:

Leia o texto abaixo:

Texto I :  O que é o herói (Adaptado)
O Herói é uma figura arquétipa que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. Do grego ‘hrvV, pelo latim heros, o termo herói designa originalmente o protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para os gregos, o herói situa-se na posição intermédia entre os deuses e os homens, sendo, em geral filho de um deus e uma mortal (Perseu), ou vice-versa (Aquiles). Portanto, o herói tem dimensão semidivina.
Um perfeito exemplo desse tipo de herói é Hércules. Forte e determinado, Hércules era filho de Zeus com uma mortal e demonstrou em suas façanhas (dentre as quais os 12 trabalhos se destacam) que possuía uma natureza acima da reservada aos mortais comuns.
Essa questão da superioridade do herói, e aqui focando especificamente no modelo clássico, revela o fato de que a Tragédia e a Epopéia eram consideradas gêneros maiores e o herói pertencia à classe alta. Como tal, ele era descrito como possuidor de qualidades características deste extrato social tais como honra, lealdade, bravura e comprometimento social. Ulisses, por exemplo, se afasta de sua mulher e filho e coloca o seu próprio reinado em risco para honrar a sua lealdade ao rei da Grécia. 
 FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. (Coleção primeiros passos 139).

Redija um texto dissertativo COMPARANDO a definição de herói do excerto acima, com a descrição da personagem Gonçalo, o “herói” da obra O Deserto, de Silva Alvarenga, levando em consideração sua ação na narrativa.

  • Para os gregos o herói está entre os deuses e os homens, é uma personagem semidivina.
  • Gonçalo é um estudante que abandona os estudos na Universidade de Coimbra, O Desertor das letras.
  • O herói clássico serve de modelo para os homens. É exaltado por todos.
  • Gonçalo é repreendido por seu tio e atacado por onde passa.
  • O herói é descrito como alguém símbolo de honra, lealdade, bravura e comprometimento social.
  • Gonçalo abandona sua noiva, abandona os estudos, segue a ignorância, durante uma briga finge-se de morto para escapar.
  • O herói enfrenta grandes obstáculos e batalhas que requer grandes feitos.
  • Todos os problemas enfrentados por Gonçalo são resolvidos com alguns tapas e pedradas.
  • Gonçalo estaria muito mais para um anti-herói, como Dom Quixote, do que para um herói clássico, como Hércules.

Questão 4

Leia o excerto abaixo:
Musas, cantai o Desertor das letras, 
Que, depois dos estragos da Ignorância, 
Por longos, e duríssimos trabalhos 
Conduziu sempre firme os companheiros 
Desde o loiro Mondego aos Pátrios montes. 
Em vão se opõem as luzes da Verdade 
Ao fim, que já na idéia tem proposto: 
E em vão do Tio as iras o ameaçam.
A partir da leitura de O Desertor é possível perceber desde a primeira estrofe a resistência da personagem Gonçalo e aceitar a Verdade (a Ciência, o Ensino e a Cultura) instaurada por Pombal. Redija um parágrafo dissertativo DESTACANDO os embates desenvolvidos na obra e o que está alegoricamente representado por eles.

  • Desde a evocação no primeiro verso a obra apresenta o anti-herói, Gonçalo, representando a resistência daqueles aliados à Ignorância contra a Verdade. Esse embate será tematizado entre:
  • A Inovação X o Comodismo
  • A Prática X silogismo
  • A introdução dos ideais iluministas X o ensino retrógrado dos jesuítas o que é alegoricamente representado pelo embate entre a Verdade X a Ignorância.

Questão 5

Leia os excertos abaixo:
Omne tulit punctum, qui miscuit utile dulci.
(Horat. Poet. v. 342)
(Merece todos os pontos, quem mesclar o útil ao agradável.)
Discit enim citius, meminitque libentius illud,
Quod quis deridet, quam quod probat, ac veneratur
(Horat. Poet. v. 262)
(Na verdade, aprende-se mais rapidamente e recorda-se de mais bom grado aquilo que faz rir do que aquilo que se aprecia e venera.)
A imitação da Natureza, em que consiste toda a força da Poesia, é o meio mais eficaz para mover, e deleitar os homens; porque estes têm um inato amor à imitação, harmonia, e ritmo.
(Silva Alvarenga. P. 71)

A partir das citações de Horácio e do excerto extraído do “Discurso sobre o Poema Herói-Cômico”, de Silva Alvarenga, redija um parágrafo ANALISANDO a estrutura do texto (tipo textual) utilizada e escolhida pelo poeta na construção de O Desertor.

  • Já em seu texto de abertura, Silva Alvarenga retoma o conceito de “imitação”, elaborado por Aristóteles para se referir à arte e à divisão dos gêneros literários. 
  • É possível perceber em seu discurso a escolha do autor pela poesia cômica, pois — como diz a citação de Horácio — é mais viável para o artista atingir o ser humano pelo riso do que pela seriedade. 
  • Assim segue a comédia o seu dever: corrigir os homens divertindo-os. 
  • O poema herói-cômico é a imitação de uma ação cômica heroicamente tratada. 
  •  A comicidade está justamente em abordar o que é banal por meio de uma estrutura e uma linguagem mais elaborada.

Questão 6

As obras O Desertor, de Silva Alvarenga, e A carteira de meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo, apresentam protagonista que apresentam uma conduta que contrariam a perspectiva de seus respectivos tios. Redija um parágrafo comparando a relação tio/sobrinho/formação presentes nas duas obras.

  • Na obra O Desertor, de Silva Alvarenga, vemos o personagem Gonçalo temer a ira do Tio diante da sua deserção dos estudos. Por várias vezes o autor aponta a importância que o Tio dá à formação. Em relação aos estudos, Gonçalo se coloca mais como um acomodado com a arcaica formação do que a nova estrutura que cobraria mais empenho dele. 
  • Na obra A carteira de meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo, o personagem que não recebe nome, é instruído pelo seu tio sobre a sua formação como político, carreira de seu tio. Embora apresente uma postura que também é contra a fadiga, como Gonçalo, tem uma postura mais crítica e mais reflexiva que o personagem de Silva Alvarenga. O protagonista embora veja e aponte os problemas em seu caminho, não se coloca como alguém que busque corrigi-los.

Questão 7

Redija um texto explicando por que A Carteira de meu Tio, de Joaquim Manoel de Macedo, pode ser considerada uma obra romântica.

O Romantismo apresenta vários desdobramentos, podendo os textos aproximarem-se de uma literatura de evasão ou de contestação. 
Macedo transitou pelos vários Romantismos, ora leve e ameno como em A Moreninha, ora crítico e satírico como em A Carteira de meu Tio
Poderíamos dizer  que nesta obra o autor prioriza a função didática da arte, uma vez que a crítica social aí veiculada tem por objetivo a educação, ou seja, o resgate moral do  público. 
Esse apelo moralizante confirma uma crença na possibilidade de regeneração dos homens, o que demonstra um certo idealismo do autor, o que o aproxima dos românticos


Questão 8

Os primeiros romancistas do Brasil, no período literário do Romantismo, foram seduzidos pelo gênero narrativas de viagem, uma vez que desbravar os recantos mais misteriosos do país foi uma atitude recorrente entre os séculos XVIII e XIX. Esses relatos ou eram de cunho objetivo, com conteúdo científico, almejando a instrução dos leitores, ou de cunho subjetivo, contendo impressões pessoais dos viajantes. 
Redija um texto comentando quais são as diferenças da viagem empreendida pelo narrador da obra A Carteira de meu Tio.

  • Os primeiros romancistas do Brasil, no período literário do Romantismo, foram seduzidos pelo gênero narrativas de viagem, uma vez que desbravar os recantos mais misteriosos do país foi uma atitude recorrente entre os séculos XVIII e XIX, principalmente entre os estrangeiros, que contaram com a abertura dos portos em 1808. 
  • Esses relatos ou eram de cunho objetivo, com conteúdo científico, almejando a instrução dos leitores, ou de cunho subjetivo, contendo impressões pessoais dos viajantes. 
  • O narrador de A Carteira de meu Tio,  em mais de um momento, afirma ser um viajante mais legítimo, não apenas por ser brasileiro, mas por empreender uma viagem cujo maior resultado seria a formação de uma personalidade política virtuosa.
  • Dessa forma, não se trata de uma viagem de reconhecimento e descrição da natureza local, como era comum nos textos do viajantes estrangeiros; não há, na obra, nenhuma referência geográfica dos locais por onde passa o sobrinho. 
  • Nesta medida, Macedo distancia-se um pouco de uma das vertentes seguidas por alguns românticos que, influenciados pelos viajantes e pelo nacionalismo, preocupavam-se em pintar, de forma pitoresca, a paisagem física e humana do Brasil.

Questão 9

Redija um texto explicando como Macedo utiliza a história oficial do Brasil como matéria essencial para a confecção do discurso literário em A Carteira de meu Tio.

  • Em A Carteira de meu Tio, Macedo utiliza a história como matéria essencial para a confecção do discurso literário, abordando temas como a desconsideração dos políticos em relação à Constituição Imperial, a rivalidade e semelhança entre os partidos políticos Liberal e Conservador, a Política da Conciliação, entre outros assuntos. O romancista realiza uma interlocução entre Literatura e História, tratando de maneira problematizadora e irônica a história brasileira referente ao Segundo Reinado.

Questão 10

O narrador da obra A Carteira de meu Tio cria uma teoria denominada “Política da Barriga”. Redija um texto explicando em que consiste essa teoria e como ela se aplica ao Brasil da atualidade.

  • Cada partido político deve possuir seu próprio pensamento a respeito de como o país deve ser governado. Os partidos conservadores procuram alcançar objetivos dentro da organização política existente, enquanto outros, de feição revolucionária ou liberal,  constituem- se a fim de modificar a política existente.
  • A alternância no poder entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, durante o Segundo Reinado, podem dar a impressão de mudança na cena política daquele momento; no entanto, há consenso entre os  historiadores de que eram mínimas as diferenças entre os dois partidos, pois as eleições não representavam a vontade popular e sim a vontade dos grandes proprietários rurais que controlavam as províncias e os eleitores, além de fraudarem, diversas vezes, as eleições.
  • A identidade de interesses partidários entre liberais e conservadores pode ser confirmada pela criação do Ministério da Conciliação, em 1853, que garantia a participação política de ambos os partidos na política brasileira. 
  • Sem muito contato popular, sem diferenças econômicas, sociais ou partidárias profundas entre si, os partidos uniram-se para impedir que outros setores sociais ou mesmo as disputas entre os grupos dominantes criassem dificuldades para a situação vigente. 
  • Portanto, a Conciliação foi um arranjo, um acordo entre elites dominantes, que beneficiou tanto liberais quanto conservadores. 
  • Essa política é satirizada na obra de Macedo, onde recebe o nome de “Política da Barriga”.

Questão 10

Leia os excertos abaixo:
O meu companheiro de viagem, digo, ia tão mal montado como eu.
Cavalgava numa mula ruça pequenina, velha, cambaia, e que não tinha senão um trotezinho curto e abaloso; mas o que me causou um verdadeiro sentimento de compaixão, foi o ar de triste simpatia com que o cavalo de meu tio e a mula ruça do compadre Paciência se olhavam; não sei o que tinham aqueles dois bichinhos da terra para irem assim andando e olhando-se tão melancólicos, como dois bois que marcham para o matadouro. Enfim, provavelmente eles lá se entendem! 
(MACEDO, 1880: 50).

A partir da leitura do excerto acima e da obra A carteira de meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo, redija um parágrafo dissertativo ESTABELECENDO UMA RELAÇÃO entre a dupla formada pelo narrador-protagonista e o compadre Paciência e a dupla formada pelo o cavalo ruço-queimado e a mula ruça.

  • Poderíamos dizer que a dupla, formada pelo cavalo e pela mula reforçariam ainda mais a dupla formada pelo sobrinho e pelo compadre Paciência: o primeiro um aspirante a político que acaba vivenciando uma realidade capenga ao viajar pelo país, tal como seu cavalo, que poderia ser garboso, mas não passa de um lento pangaré. 
  • Já o compadre, um homem da roça, honesto, vivido e bastante paciente, não deixe de ser um pouco descrente em relação à realidade política que ele vivencia em sua pátria; segue montado numa mula igualmente resignada às agruras das estradas e dos lugares por onde passam. 
  • Por outro lado, não nos esqueçamos que o compadre caracteriza um contraponto ao sobrinho, já que o último é um homem vivido na Europa e confesso em relação aos seus próprios vícios, ao passo que o compadre é um homem virtuoso. 
  • Assim como a dupla sobrinho/compadre, todas as personagens, de um modo ou de outro, são representantes de um jeito de fazer política, independentemente de partido ou ideologia.

Questão 12

Leia o excerto abaixo:
EU...
Bravo! Bem começado! Com razão se diz que – pelo dedo se conhece o gigante!
– Principiei tratando logo da minha pessoa; e o mais é que dei no vinte; porque a regra da época ensina que – cada um trate de si antes de tudo e de todos
A partir da leitura do excerto acima e da obra como um todo, redija um parágrafo dissertativo explicitando a construção do narrador e da cumplicidade do mesmo com o seu possível leitor.

  • O autor constrói um narrador-personagem, o sobrinho, cuja voz em primeira pessoa é anunciada. 
  • Esse que praticamente pega o leitor pela mão e o guia diante das cenas, locais e pessoas descritas, fazendo-se cúmplice daquele, como pode ser observado, por exemplo, no uso do pronome nós. 
  • Macedo constrói um narrador que tem a função de educar seus leitores, sobretudo, para a leitura do próprio gênero romanesco, uma vez que o romance nacional estava em processo de formação no início dos anos quarenta do Oitocentos no Brasil. 
  • Desse modo, a intimidade entre narrador e leitor é concretizada justamente por este quadro descritivo em que ambos tomam parte igualmente, como se estivessem observando ao mesmo tempo aquilo que se narra. 
  • Para garantir certa cumplicidade entre ele e seus possíveis leitores é construído a partir de algo que poderíamos chamar de confissão+confiança: o sobrinho é demasiado sincero desde o início, quando confessa suas idéias mais torpes sobre si mesmo e sobre a política de seu tempo, assegurando assim, paradoxalmente, que o leitor confie em suas palavras, já que ele, ao contrário de todos os outros políticos, não mente, nem naquilo que deveria ser escondido: seu mau-caratismo. 

Questão 19

Leia os excertos abaixo:
SENADOR abriu a porta e, branco no robe de chambre vinho-tinto, disse com voz alterada, embora conservasse o tom parlamentar: 
— Luís, avise a Renato que a baronesa faleceu.
Luís, hóspede da casa, estava de costas, debruçado sobre xícaras e pratos. Apenas voltou a cabeça.
— Visp’rou, senador?
— Como, visp’rou?
— Quer dizer, bateu o 31, esticou...
O senador olhou-o sem reprovação Seu rosto exprimia antes esforço por penetrar naquelas palavras tão alheias a seu vocabulário.
(ANDRADE, p. 85)
(Estranho apartamento, se juntarmos em sua representação os modernos aos objetos remotos, o duco ao bolor (invisível, mas eterno) que envolve as caixas de madrepérola onde se guardam fitas e broches de antigamente. O living - aquela maravilha de claridade, sobre a baía. Mas, no fundo do corredor, a porta do quarto da baronesa marcava o limite de uma região de sombra, rapé, reumatismo, pigarro, bolinhas de cânfora, gorgorão de seda, pentes de monograma, conversa de bailes idos. Tudo presidido pelo ceticismo do senador que vinha dos velhos tempos e não se integrava nos novos, porém derramava sobre todas as épocas, raças, religiões e costumes, uma indulgência plenária, . não isenta de desprezo .
(ANDRADE, p. 86)

A partir da leitura do excerto acima e do conto como todo, redija um parágrafo EXPLICANDO como ocorre a alegorização da dicotomia tradição/ruptura em “A baronesa”, da obra Contos de aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade.

  • Todo o conto se desenvolve evidenciando a oposição entre velho e o novo, a começar pela descrição do ambiente, um apartamento que, por si, é uma representação do moderno já que o Rio de Janeiro da época do Império é mais conhecido por suas construções horizontais. 
  • A Baronesa, uma velha senhora do Império, hiperbolicamente chamada Ana Clementina de Soromenho Pinheiro Lobo e Figueira Moutinho... pertencente à família de fino trato é a própria personificação do tradicional, do antigo, tanto que o eixo central do conto é a narrativa da morte da velha e o narrador arremata com uma tirada alegórica “Assim acabou o Segundo Reinado”. 
  • Outro ponto em que a oposição entre velho e novo fica evidente nesse conto é quanto à língua.
  •  No diálogo transcrito no enunciado opõe-se, no nível do uso da língua, pela própria dificuldade de intercompreensão apresentada, o tom parlamentar, sóbrio, formal, clássico do velho senador em relação ao tom coloquial, desenvolto, de gíria mesmo, usado pelo jovem.


Questão 20

André Breton, em seu Manifesto do Surrealismo de 1924, afirma: “O que há de admirável no fantástico é que não existe mais o fantástico: só há o real”. A partir do seu conhecimento desse movimento de vanguarda redija um texto relacionando-o aos contos “Flor, Telefone, Moça”, “O Gerente” e “Miguel e seu furto”.

  • Nos contos listados no enunciado podemos perceber traços surrealistas, ou eles se alinham com um tipo de realismo mágico, ou literatura do absurdo. 
  • Em “Flor, telefone, moça”, o fantástico ficapor conta do mistério da morte, da reclamação de um morto da flor de sua sepultura roubada pela moça. 
  • Em “O Gerente”, a própria epígrafe evangélica já leva ao leitor à reflexão “Que é a verdade?”. Trata de um personagem que comia dedos de senhoras. 
  • Por fim, toda a situação construída no enredo de “Miguel e seu furto” remete ao surrealismo, pois trata do roubo do mar.

Questão 21

Redija um parágrafo dissertativo apontando como o autor trabalha a crítica social nos contos “Câmara e Cadeia”, “Beira-Rio”, “Miguel e seu furto” e “Meu companheiro”.

  • Em “Câmara e Cadeia” um homem esmagado, sem liberdade, aparece — simpaticamente, dignamente — fugindo para a liberdade. O ridículo da sessão da Câmara de Vereadores contrasta com a grandeza da fuga do preso. 
  • Os donos da vida, porque donos do dinheiro, oprimem os operários e esmagam o pobre Vosso criado de “Beira-Rio”. 
  • Miguel, o senhor do mar, explora os estivadores, dando-lhes, como salário, o seu radioso sorriso, em “Miguel e seu furto. 
  • Motinha tem verginha de dizer que comprou o cachorrinho em “Meu companheiro”. 

Questão 22

Leia o excerto abaixo:
Se um de nós ia para o colégio (era longe o colégio, a viagem se fazia a cavalo, dez léguas na estrada lamacenta, que o governo não conservava), os outros ficavam tristes uma semana. Depois esqueciam, mas a saudade do mano muitas vezes estragava o nosso banho no poça, irritava ainda mais o malogro da caça de passarinho: “Se Miguel estivesse aqui, garanto que você não deixava o tiziu fugir”, gritava Édison. “Você assustou ele falando alto... Miguel te quebrava a cara.”
(A Salvação da Alma, p.15)
Redija um parágrafo dissertativo analisando como Carlos Drummond de Andrade utiliza a mistura do erudito com o popular na construção dos textos que compõem a sua obra Contos de Aprendiz.

  • Drummond mistura, com bom gosto, o erudito com o popular. 
  • Escreve com correção, mas não evita recorrer a palavras ou construções da língua viva do povo. 
  • Além disso é comedido na sua adjetivação. Todos os contos primam pela simplicidade. 
  • Afastando do academicismo, o autor aproxima muito a linguagem escrita da falada, embora observe uma linha de correção gramatical. 
  • Sua linguagem é anti-retórica e se enriquece com palavras populares em uso e com expressões de gíria de seu tempo.

Questão 23
Pelo professor Matheus Martins

Existe três sentidos para a palavra “aprendiz” presente no título:
1º- o sentido supostamente proposital, aparentemente sugerido pelo autor: a famosa modéstia drummondiana, uma espécie de aviso ao leitor dos perigos de uma obra de estréia e uma precaução contra eventuais críticas (de todos, é o sentido mais óbvio e menos importante).
2º- o sentido irônico, percebido pelo leitor ao terminar a obra: o título, que sugere uma incipiência do autor no gênero épico, é seguido, no entanto, de um livro tão maduro quanto suas obras poéticas, sendo, na verdade, “contos de mestre” (sentido mais importante do que o anterior e menos interessante do que o seguinte, porque pode derivar em algo mais complexo, como se verá).
3º- sentido literal e sem modéstia, revelado não somente pelo livro, mas pelo conjunto da obra drummondiana: Contos de aprendiz é efetivamente a imagem de um aprendizado (e de uma lição) de transposição de um estilo já consolidado em uma estrutura (a poética) para outra (a da prosa). É nesta direção que se orienta o comentário de João Cabral: Drummond, através de Contos de aprendiz, manifesta a capacidade de ser a mesma assinatura literária e estilística em tudo o que faz. 
É possivel ilustrar com exemplos disso, falando da ironia, do corte preciso no trabalho com a linguagem, da alegoria de assuntos político-sociais, do embate entre o desengano e os lampejos de uma rara solidariedade dentro do mundo moderno, da postura gauche, do humour etc


Questão 24
Pelo professor Matheus Martins

A questão pretende verificar o conhecimento que o aluno tem do conceito de alegoria e sua aplicação na interpretação de uma narrativa.  O importante é perceber que o conjunto de episódios relativos ao passado entre dois irmãos em particular (o narrador Augusto e Tito) pode representar simbolicamente uma problemática geral, relativa a um dos dramas mais graves do homem moderno.
Assim, se a alegoria é uma figura de linguagem definida pela tradução simbólica de uma série de detalhes em uma única ideia (que com eles não têm uma relação direta), parece-me que a história do conflito entre a súbita perspectiva ascética de Tito e a relação belicosa através da qual interagem os dois irmãos sugere um drama mais amplo, que divide o homem moderno em duas linhas de força que não se dão.
De um lado, teríamos um código moral fundamentado nas ideias de solidariedade, misericórdia e compaixão (objetivo extremo de uma ascese espiritual), cuja conquista, a exemplo do mito cristão, só se pode efetuar através de um caminho de auto-humilhação. 
De outro, teríamos uma lógica pragmática, que, por entender os homens como livres concorrentes em uma permanente disputa por lugares de poder, promove o individualismo e exige a humilhação alheia como via única de ascese social. 
Resumindo, o conto parece representar alegoricamente o embate entre o Cristianismo (e aquilo que sua moral prevê como comportamento ideal) e o Capitalismo (e aquilo que sua lógica exige como comportamento inevitável). Como triste nota irônica, mesmo em uma relação estabelecida por laços de sangue, prevalece a segunda lógica.

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