domingo, 20 de maio de 2018

A METAMORFOSE, FRANZ KAFKA


“Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos angustiem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para florestas distantes de todos, como um suicídio. Um livro tem de ser o machado para o mar congelado dentro de nós.”
(Franz Kafka)


CONTEXTO DA OBRA 

Belle Époque;

Crise da Modernidade: 
      - crises existências e religiosa;
      - crise racionalismo, ao qual faz oposição;
      - faz oposição ao naturalismo;


A obra foi escrita em 1912, dois anos antes do início da Primeira Guerra Mundial. O clima de agonia e pessimismo mantido por Kafka é apontado por alguns autores como relação direta com o cenário mundial da época em que a obra foi escrita. Apesar de ter sido escrita no início do século XX, a obra permanece atual porque explora temas característicos da sociedade contemporânea, como a crise existencial, a desesperança do ser, pessimismo, a ausência de resposta, a solidão, impotência e a fuga – temas recorrentes da literatura de Franz Kafka.

“(...) sua eficiente atuação profissional lhe proporcionava significativas comissões em dinheiro, que colocava sobre a mesa da sala, sob o olhar admirado e jubiloso da família. (…) À medida que tudo isso foi se tornando costumeiro, a surpresa e a alegria inicial arrefeceram e, assim, Gregor entregava o dinheiro com prazer espontâneo e a família, de bom grado, recbia”.

“(...) algo passou raspando sua cabeça e rolou até um pouco mais à frente: era uma maçã, logo seguida de outra. Temeroso, Gregor deteve-se, considerando inútil continuar correndo, pois o pai havia decidido bombardeá-lo (...)” . 



ANÁLISE DA OBRA 

A Metamorfose é uma obra agressiva, crítica e destrutiva e seu objetivo é o resgate de valores e princípios e a crítica social.

Esta obra é uma novela, ou seja, maior que um conto e menor que um romance.

A obra é dividida em três partes. 

1ª apresenta Gregor recém metamorfoseado, e a maneira como ele é recebido por sua família em sua nova forma.

2ª apresenta o cotidiano de um Gregor isolado e rejeitado.

3ª apresenta o fim de um Gregor fraco e abalado psicologicamente.


NARRADOR

Foco narrativo: narrador onisciente;

Narrador heterodiegético;

Essa ligação do narrador ao protagonista perdura até o momento da morte deste, quando o narrador se desprende de Gregor e passa a enfocar sua família.


PERSONAGENS

ESFÉRICO - aquele que tem sua conduta alterada no decorrer da história, apresenta profundidade psicológica.


Protagonista: Gregor Samsa;

PLANOS - aqueles que apresentam linearidade na conduta, não se altera. 

Personagens secundários: a irmã,  os pais;

Figurantes: gerente do armazém, patrão só lembrado por Gregor, uma empregada, três hóspedes;


Grégor Samsa: Um caixeiro viajante que trabalha ininterruptamente, não tem muitos amigos. Pressionado pelo emprego, apenas se mantém no cargo porque é o único que pode sustentar a família. No inicio se transforma num inseto monstruoso, por conta disso passa por diversos problemas como rejeição de sua família, por exemplo.

Grete Samsa: Irmã de Grégor, uma jovem dócil e não sofre por preconceitos. Esta é a única que tem uma relação direta com ele, mesmo após sua transformação. Adorava violino e tocava muito bem, mas a família não tinha dinheiro para pagar seus estudos.

Sr. Samsa - Pai de Grégor: Recusava e odiava seu filho em forma de inseto. Era muito preconceituoso e não trabalhava pois tinha problemas na coluna.
Sra. Ana - Mãe de Grégor:  tinha nojo de seu filho em forma de inseto mas continuava amando-o.

Os três inquilinos: Alugam um quarto na casa dos Samsa após a transformação de Grégor.

Gerente do escritório: Chantageava Grégor por causa da dívida da família, obrigando-o a trabalhar loucamente.

ESPAÇO 
A maior parte da história se passa no quarto de Gregor. A época da história não é possÍvel de estabelecer.

TEMPO 
CRONOLÓGICO: contagem do tempo feito em horas, dias, semanas mas nunca é dada uma data precisa. A história começa pelo seu clímax – contrariando as regras de Aristóteles para composição de enredo.

PSICOLÓGICO
Quando Gregor se perde em suas reflexões – marca da onisciência.

VISÃO CRÍTICA DO FUTURO


Visão pessimista;

Crítica ao capitalismo 
      materialismo > relações afetivas

O caixeiro-viajante só consegue romper com o automatismo, a dominação e a alienação das atividades diárias e da rotina, na condição de inseto.

Que dura profissão fui escolher! Viajando todo santo dia. É muito pior do que quando se está no escritório, pois, quando viajo, não posso descuidar dos horários dos trens, as refeições são ruins, feitas fora de hora; os relacionamentos mudam sempre, nunca são os mesmos, nunca possibilitam uma autêntica amizade.


ANÁLISE DO ENREDO

Gregor é um caixeiro-viajante, que não gosta do seu trabalho e muito menos do seu chefe. No entanto, uma dívida da família o obriga a manter o trabalho e sustentar seus pais e a sua irmã mais nova. Até que um dia Gregor acorda atrasado para pegar o trem e se vê metamorfoseado em um inseto gigante. 


A sua primeira preocupação não é o fato de ter se transformado em um animal repugnante, mas sim de estar atrasado para o trabalho e não conseguir sair da cama devido a sua nova forma. A sua luta para levantar é angustiante e se torna ainda pior quando o gerente da firma vai até a sua casa por causa do atraso.

O que segue é a luta de Gregor para acalmar o gerente e a sua família, enquanto tenta levantar da cama e abrir a porta do quarto. A preocupação de sua família é um misto de considerações sobre a sua saúde e uma tensão que envolve a presença do gerente e a ameaça de Gregor perder o emprego.


Mesmo sendo um inseto gigante, Gregor não se preocupa muito com o que se transformou, mas em convencer o gerente de que está tudo bem. Ele tenta convencer a todos que sofreu um pequeno contratempo, mas que agora já está pronto para ir trabalhar. Nesse meio-tempo a sua voz se transforma em ruídos. 

Sem conseguir se comunicar com Gregor, a família fica ainda mais preocupada e chama um médico e um marceneiro para destrancar o quarto. Antes mesmo da chegada da ajuda, Gregor consegue abrir a porta e vai logo de encontro ao gerente para dar uma explicação sobre o seu atraso sem se importar com a sua estranha aparência.

A metamorfose de Gregor

Diferentemente de outras narrativas que desenvolve o texto em complicações até chegar ao clímax, a novela de Kafka começa de uma forma direta. O clímax do enredo aparece logo de início, e é a partir dele que se tem o desdobramento da história.


“Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, transformado num monstruoso inseto. Estava deitado de costas, umas costas tão duras como uma carapaça, e, ao levantar um pouco a cabeça, viu o seu ventre acastanhado, inchado e arredondado em anéis mais rígidos, sobre o qual o cobertor, quase a escorregar, dificilmente se mantinha.” 


Não é dada qualquer explicação para o acontecimento que inicia o livro, a transformação de Gregor, entretanto isso não desfaz nem um pouco a verossimilhança da novela. Esse é o mérito do estilo de Kafka e da narrativa da obra, tratar ao absurdo ou extraordinário, como se fosse plausível. Estratégia usada em outros livros do autor, como é o caso de O processo


Em A Metamorfose é a reação de Gregor, ao continuar agindo naturalmente, que nos leva a aceitar mais facilmente o fato dele ter se transformado em um inseto gigante. As suas maiores preocupações são com o trabalho e com a família.

Gregor parece não se incomodar com o fato de ter se transformado em um inseto, mas sim de estar atrasado para o trabalho e a ameaça de perder o seu emprego. Como as suas preocupações continuam sendo as de uma pessoa normal, a sua transformação em inseto é amenizada.

As outras metamorfoses 

A partir da metamorfose de Gregor, ponto de partida da história, a narrativa trata das transformações das personagens ao redor do protagonista. Toda sua família   era passiva e dependente do seu trabalho, porém, com a nova situação, eles são obrigados a buscar nova forma de sustento.

Ocorre uma transformação nas relações dos familiares em relação a Gregor. A família, que ficava confinada em casa e explorando a força de trabalho do protagonista, agora tem a necessidade de agir e é ele que passa a ficar confinado, marginalizado, em seu quarto. No princípio, ele fica totalmente excluído, até que a família passa a deixar uma porta aberta para que ele possa assistir de longe aos rituais familiares.

A narrativa foca nesses rituais e apresenta que a naturalidade das ações e a verossimilhança são mantidas, apesar de algumas mudanças, por exemplo, os jantares continua com os outros membros reunidos, porém de forma mais silenciosa. 

A metamorfose da família 

No início da obra, o narrador relata um pouco a rotina dos familiares. O pai passava todo seu tempo em casa sentado e dormindo, após a transformação passa o dia com seu uniforme do trabalho, mas agindo da mesmo forma que antes. Com a recusa dos outros de entrarem no quarto de Gregor, coube à irmã a tarefa de limpeza do local, no início feito com prazer e zelo, mas com os dias vai achando pesado demais.
A rotina da família só terá uma mudança mais clara, quando a casa passa a ter três inquilinos, saída que a família encontrou para suprir a falta do ordenado de Gregor. O protagonista passa a ficar trancado no quarto e excluído de todo o resto da casa e os familiares passam a fazer as refeições na cozinha, pois na sala ficariam os inquilinos.

Um comportamento interessante é da irmã de Gregor, Grete – que no início o tratava de modo afetuoso, mesmo metamorfoseado – no final da história assume uma postura dura e insensível em relação ao monstruoso inseto que está no lugar de seu irmão.

— Ele tem de ir embora — gritou a irmã de Gregório. — É a única solução, pai. Tem é de tirar da cabeça a ideia de que aquilo é o Gregório. A causa de todos os nossos problemas é precisamente termos acreditado nisso durante demasiado tempo. Como pode aquilo ser o Gregório? Se fosse realmente o Gregório, já teria percebido há muito tempo que as pessoas não podem viver com semelhante e teria ido embora de boa vontade. 



A metamorfose da casa 


A mudança do status de casa para pensão afeta o uso do espaço da residência pela família. Quanto mais eles são excluído dos ambientes, pelo uso dos inquilinos, mais a tratamento deles para Gregor é de um animal. A desumanização física não é impactante para a narrativa, mas a social é forte e tem seu ápice quando sua irmã vai tocar violino, a pedido dos hospedes, virando uma forma de entretenimento deles e o protagonista, atraído pela música, surge a vista de todos.  Os inquilinos ficam chocados com a imagem do inseto gigante, rompem o contrato e ameaçam processar a família. 

Enfim ocorre todo o processo de metamorfose do ambiente familiar por conta de Gregor e dos inquilinos. Quando estes entram em contato e o acordo é rompido, o pai age no sentido de retomar a posse dos cômodos da casa,  ele expulsa os inquilinos e trata o filho como um animal. 

A metamorfose está completa, ele não é mais o filho. Pouco depois Gregor morre de inanição, e a família muda de apartamento. 


… quando nesse momento alguma coisa, atirada de leve, voou bem ao seu lado e rolou diante dele. Era uma maça; a segunda passou voando logo em seguida por cima dele. Gregor ficou paralisado de susto; continuar correndo era inútil, pois o pai tinha decidido bombardeá-lo. Da fruteira em cima do bufê, ele havia enchido os bolsos de maçãs e, por enquanto, sem mirar direito, as atirava uma a uma. As pequenas maçãs vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas outras. Uma maçã atirada sem força raspou as costas de Gregor, mas escorregou sem causar danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente penetrou nas costas dele. Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor, surpreendente e inacreditável, pudesse passar com a mudança de lugar; mas ele se sentia como se estivesse pregado no chão e esticou o corpo numa total confusão de todos os sntidos…




É certo que lhe doía o corpo todo, mas parecia-lhe que a dor estava a diminuir e que em breve desapareceria. A maçã podre e a zona inflamada do dorso em torno dela quase não o incomodavam. Pensou na família com ternura e amor. A sua decisão de partir era, se possível, ainda mais firme do que a da irmã. Deixou-se ficar naquele estado de vaga e calma meditação até o relógio da torre bater as três da manhã. Uma vez mais, os primeiros alvores do mundo que havia para além da janela penetraram-lhe a consciência. Depois, a cabeça pendeu-lhe inevitavelmente para o chão e soltou-se-lhe pelas narinas um último e débil suspiro. 




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