sábado, 25 de novembro de 2017

MACHADO, de Silviano Santiago


É um livro que se deseja ao mesmo tempo ensaístico, historiográfico, ficcional e com pinceladas de crônica de costumes – o gênero romance, escrito na capa do livro, não passa de uma ironia nos moldes machadianos.


Em Machado, é indiscutível o papel do leitor na figura do narrador, seja na perspectiva do leitor crítico da obra e vida de Machado de Assis, seja na do leitor crítico do período político-social que compreende o fim do Império e o início da República na antiga Capital Federal do Brasil, então situada no Rio de Janeiro.
O leitor-autor ou o leitor-narrador de Machado – Silviano Santiago real e personagem mesclam-se a tal ponto que é impossível definir onde começa um e termina o outro – busca validar seu texto por meio da importância do leitor na produtividade e na sobrevivência da obra, validação que se revela essencial para seu projeto livresco exposto a outros leitores – os leitores de Machado – ao longo de suas 421 páginas: “A boa leitura torna-se responsável pela vida eterna da obra de arte”.


O livro é dividido em dez partes que se seguem apontadas suas informações principais.


PARTE 1 – CARLOS DE LAET, MACHADO DE ASSIS E GUSTAVE FLAUBERT


Morte de dona Carolina (20/10/1904) e o impacto desse fato na vida de Machado. Nenhum móvel da casa podia ser tirado do lugar em que D. Carolina deixara. Toda manhã a mesa era posta para duas pessoas como se o espírito dela viesse tomar café com o marido.


Empregadas, as quais Machado alongara os nomes: Carolina Pereira e Jovita Maria.


Emprego: chefe de contabilidade no Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas.


Passava os finais de tarde na livraria Garnier a conversar com colegas de literatura e na recém fundada Academia Brasileira de Letras, da qual era o presidente desde sua criação.


Corre como fofoca o agravamento de sua condição de saúde, suas vertigens(epilepsia), por não seguir direito as recomendações médicas e principalmente não conseguir evitar o café.


Em uma crise na rua Gonçalves Dias é socorrido pelo professor (monarquista) Carlos de Laet, que estava zombando da reforma ortográfica proposta pela ABL.


Carlos de Laet conduz Machado até um farmacêutico que se encarrega de medicar o escritor. Recuperado, Machado é acompanhado por Laet até o bonde, mas não permite que ele o acompanhasse na viagem.


Há, em várias partes do livro descrições das transformações as quais passam a cidade, como a demolição do hospital da ordem terceira de são Francisco para alargar a avenida.


“A beleza artística é uma forma arrogante e salutar da doença que devasta o ser humano”.obs. talvez uma forma que Laet encontrou para explicar o talento ímpar de Machado. Sem a doença ele não se diferenciaria de José de Alencar. A doença lhe deu outra visão de seu tempo. Laet, para ilustrar mais sua tese, cita o caso de Aleijadinho. 


Donos do Jornal do Brasil, irmãos Mendes, Fernando e Cândido, apelidados de Esaú e Jacó. Fernando era republicano e Cândido era monarquista.


O fim da primeira parte apresenta a comoção de Carlos de Laet pela morte de Machado.  
     
PARTE 2 – 29 DE SETEMBRO


A data que dá título a esta parte corresponde a ligação do autor do livro com o bruxo do Cosme Velho; afinal, no dia 29 de setembro de 1908, morria Machado e em outro 29 de setembro, mas de 1936, nascia Silviano Santiago.


Esta parte é quase um pastiche da escrita de Machado de Assis. Silviano Santiago, ou melhor, o narrador do romance faz uma reflexão sobre seu papel de romancista, sua relação com Machado.
As epígrafes retomam a análise da parte anterior, apontando em texto o efeito da epilepsia na obra de Flaubert e outra de Machado “Não consultes médico, consulta alguém que tenha estado doente”. Esta citação é a estratégia se Silviano Santiago ao analisar a relação das doenças de Flaubert, Aleijadinho, Machado e agora de Mário de Alencar(filho de José de Alencar) e o desenvolvimento artístico deles.


O narrador prepara para abrir o tomo V da correspondência de Machado de Assis em seus últimos quatro anos. Ele tem primeiramente um contato sensorial com conjunto de cartas.
Relata os texto trazidos no obituário do escritor, exaltando uma e outra característica de sua escrita.


Aponta a transformação da cidade sob as ordens do engenheiro Paulo de Frontin que enche ruas e passeios de pó, resíduo da destruição de cortiços e casebres. Afirma que esse sopro de civilização do Rio é para os europeus e não para os brasileiros. Chega afirma que o Brasil de americaniza para os colonizadores do velho mundo.


Começa comentar a carta escrita pelo amigo Mário de Alencar para Machado de Assis em 26 de fevereiro de 1906. Brinca com as iniciais do emissor e do destinatário. De M. de A. para M. de A.. Mário de Alencar, discípulo de Machado de Assis, havia vencido a eleição para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letra em 10 de outubro de 1905.


Ressalta também a cumplicidade de mestre e discípulo como portadores da mesma doença (epilepsia) e pacientes do mesmo médico, dr. Miguel Couto.


O narrador faz questionamento a partir de um trocadilho com um ditado popular, diz que, no caso de Machado, Aleijadinho, Flaubert e Mário de Alencar, Deus escreve direito as vidas tortas? e responde com um versículo (13) do Eclesiastes: “Olha a obra de Deus: Quem poderá endireitar o que ele fez torto”? – Ninguém!


O narrador relata o lento desaparecimento do escritor. Os anos e anos tomando anticonvulsivos tóxicos levaram ao desgaste crônico do tubo digestivo, seu estomago foi se estraçalhando desde os anos de 1880 quanto tomava xarope de laranjas-amargas com bromureto de potássio. Alimentar-se ficou muito difícil. Tentaram alimentá-lo com uma dieta láctea para desintoxicação, mas o leite não parava para digestão, ainda por cima sofria com constantes diarreias.


Termina essa parte retomando as mudanças da cidade, o crescente número de desalojados, o grande número de operários e ferramentas em trabalho e o aumento do custo de vida, por exemplo o aluguel da residência de Machado de Assis.
 PARTE 3 – OS VITORIOSOS


As epígrafes do capítulo remetem à grande obra de infraestrutura para o abastecimento de água no Rio de Janeiro. Cita a frase do Imperador Pedro II, “A ciência sou eu”. É importante lembrar que estamos em 1906, logo período republicano.


O narrador começa por analisar uma crônica de Olavo Bilac, publicada no dia 21 de janeiro de 1906, no jornal Gazeta de notícias, sediado no Rio de Janeiro. Ela relata o período de cinco meses sem chuvas que eram prejudicados ainda mais pelo excesso de poeira acumulada devido a abertura da avenida central.


Conta que no teatro São Pedro era apresentada a pantomima (representação de uma história exclusivamente através de gestos, expressões faciais e movimentos/ mímica) São Pedro debaixo de água, representada pelos conhecidos palhaços do Circo Sul-americano. Foi um escândalo por se tratar de atores populares em uma requintada casa teatral. Até Arthur Azevedo, contista e autor de peças teatrais do gosto da burguesia, escreveu uma crítica feroz sobre o espetáculo.


A peça tratava da descida de São Pedro ao aristocrático teatro que leva seu nome e à praça Tiradentes, antiga da Constituição, com fim de apresentá-lo e a seu variado grupo de comparsas à população carente de água do Rio.


O cenário era formado por uma grande piscina, cheia de barcos e lanchas em pleno auditório. Um homem vestido de sobretudo e cartola se intromete na apresentação e entre palmas e vaias acaba na delegacia e declara: porque afinal é justo que os palhaços tenham tanta água em trinta segundos, quando eu, que sou homem sério, casado, pai de filhos, não tenho em casa uma gota há trinta dias.
O narrador, logo depois, desloca-se temporalmente para narrar a grande obra de Paulo de Frontin, no final do Segundo Império, conseguindo em seis dias, criar a distribuição de água para a elite e centro do Rio de Janeiro, a qual alude a charge abaixo:

 

Porém em fevereiro de 1906 uma forte chuva cai sobre a capital do país, pesadelos de enchentes se modernizaram, as águas das nascentes dos rios escorrem das montanhas que cercavam a cidade e a alagam. Casas e casebres desabam, pedras enormes deslizam, as ruas ficam repletas de ruínas. Nada adiantou os novos bulevares. O trabalho dos sanitaristas foi em vão diante do novo ritmo acelerado de propagação de doenças.


Agora o narrador volta para Mário de Alencar, recentemente nomeado escritor imortal da ABL, que se prepara para ir à consulta do doutor Miguel Couto. Mário era formado em direito e concursado da secretaria da Câmara dos Deputados. Sua candidatura para ABL foi patrocinada por Machado de Assis, e disputou a cadeira de imortal contra o jornalista Domingos Olímpio, autor do romance Luzia-homem, que era cearense como seu pai, José de Alencar. A imprensa julga a vitória de Mário injusta.


Um artigo assinado com pseudônimo de Pangloss(personagem do livro Cândido ou o otimismo, de Voltaire, criticava acidamente a vitória de Mário de Alencar, porém o que mais mexeu com o jovem escritor foi uma coluna, de forma espelhada a da crítica, que comentava o suicídio de uma moça de dezessete anos, srta Aldemira Augusta de Queiroz. 

Essa coincidência gera um pensamento sombrio sobre o jovem, que o faz pensar em sua doença e a ideia que todos imortais da Academia estavam perto da morte. Então escreve uma carta a seu mestra, Machado de Assis, com um tom bem sombrio. Machado o responde logo, com uma frase do pai do rapaz, o grande escritor José de Alencar: “Só nos ermos em que não caíram as fezes da civilização, a terra conserva ainda a divindade de berço. Aqui tudo é puro e são. O corpo banha-se em águas cristalina, como o espírito na limpidez deste céu”.


Mário responde imediatamente e diz ao mestre que está desalentado com a vitória à cadeira da ABL e que não se abate com a hostilidade de Pangloss(pseudônimo de Alcindo Guanabara). O que lhe bate é o temor da morte iminente que, logo depois dos dezessete votos contra nove, passa a segui-lo como um morto vivo.


Mário de Alencar vivia com sua esposa Baby e seus cinco filhos e uma nova agregada morta-viva, a jovem suicida Aldemira. Há uma associação de Aldemira com o personagem José Dias em Dom Casmurro.
 PARTE 4 – 23 DE FEVEREIRO DE 1906, DEZ HORA DA MANHà

Essa parte se aprofunda na relação de Machado de Assis e seu discípulo Mário de Alencar, além de descrever a consulta deste ao médico Miguel Couto.


Mesmo passado quatro meses da eleição de Mário de Alencar à Academia Brasileira de Letras, Mário está mais sentimental como nunca. Desde o dia 13 de novembro de 1905 que Mário e Machado se tornaram unha e carne, camaradas confidentes e dependentes.



Machado também é sensível aos efeitos negativos da recente eleição da ABL. Machado perdeu o antigo recato de cavaleiro do Império e a cada momento se trai nas conversas com Mário de Alencar.


Mário ver suas crises aumentarem: dores de cabeça, pupilas dilatadas, ausências, contrações e distensões não são sintomas difíceis de ser descodificados por Machado. Já abatido com a doença, Mário que se transformar no médico de si mesmo”, Paródia de Silviano Santiago para a expressão grega Hautontiroumenos (carrasco de si mesmo).


Machado aconselha Mário para não mais recorrer ao Dicionário de Medicina Popular, de Pedro Chernoiz, e que devia ir à consulta com o Dr, Miguel Couto.


Machado tenta de todos os recursos provar ao discípulo a necessidade de ajuda médica e lhe envia até uma página do dicionário supra citado, em que o autor é cauteloso a tratamento sem orientação médica. Enfim Mário de convence, mas não expõe a sua esposa, Baby.


Durante a consulta, o narrador expõe que o próprio médico sofre também de uma doença que tenta esconder, o Vitiligo.


Dr. Miguel Couto desconfia que a doença de Mário é mais psicológica do que biológica, fruto do convívio com o verdadeiro doente Machado de Assis, e chega perguntar ao cliente o que ele pensa da imitação. Por outro lado, Mário se apresenta calmo, até a pergunta. Escondendo fatos marcante da doença, como as crises, as ausências e as dores de cabeça.


Depois de ficar irritado com a pergunta, Mário segue a narrar os fatos sendo menos defensivo. Depois o narrador abre uma longa escrita sobre a formação do doutor. Parado à sua frente Mário espera a palavra salvadora e fica aterrorizado com lembrança súbita do suicídio de um marinheiro. O médico acredita que não há doença no cliente, que tudo passa de fingimento e receita placebos para amenizar o psicológico do cliente. Porém o narrador relata que algo semelhante aconteceu com Flaubert ao ser analisado por seu pai como imitação e o autor teve que conviver com a doença e virar o grande escritor que foi.
 CAPITULO 5 – A RODA DE FORRTUNA, A RODA DOS ENJEITADOS Mário desde a saída do consultório de Dr. Miguel Couto anda abraçado à melancolia. Mário só reencontra o prazer da vida em companhia de Machado de Assis. O narrador compara aproximação dos amigos Machado e Mário como uma relação de pai e filho. (ponto importante para a relação com o livro O filho de Machado de Assis).


Capítulo mais descritivo até aqui.


O narrador foca-se no expediente dos três personagens mais destacados até aqui: Machado, Mário e o Dr. Miguel Couto. Continua também a narrar as transformações do Rio de Janeiro a partir do fim do império, as correntes migratórias após o fim da escravidão entre outras coisas. Descreve a antiga roda dos enjeitados, uma espécie de creche para crianças que os pais não podem ou não querem criar.
 CAPÍTULO 6 – A ESCADA E O LUSTRE: A SOLIDARIEDADE HUMANA


O capítulo começa narrando o acidente de automóvel envolvendo dois Migueis da vida de Machado de Assis: Miguel Calmon, ministro chefe de sua repartição, e Miguel Couto, seu médico.


O narrador volta a descrever acontecimento e transformações na cidade do início da república à primeira década de 1900. Aponta as transformações arquitetônicas e artísticas que passam a edificar e decorar os palacetes e prédios oficiais desta época. Essa descrição arquitetônica termina por descrever o chalé do Cosme Velho, residência de Machado de Assis.


Em seu gabinete, Machado idealiza seu último e definitivo romance: Memorial de Aires, que viria ser terminado em 1907 e chega aos leitores em 1908. O protagonista desse diário íntimo é também personagem de Esaú e Jacó, seus filhos briguentos. 

         

                                                                                                      
  
Machado de Assis associa a escada à relação entre Memorial de Aires e Esaú e Jacó. O primeiro é romance de gênero diário, logo narrado em primeira pessoa, o segundo é um romance em terceira pessoa. Na condição de eixo de sustentação pelos gêneros conflitantes, Aires desequilibra o que se apresentaria como duas asas de borboletas, semelhantes e opostas, partes de um conjunto ficcional fechado.

O narrador faz uma grande alusão ao livro Esaú e Jacó para depois voltar na resposta de Machado a carta de Mário de Alencar. E na troca de carta e comentários a amizade de mestre e discípulo se acentua.

CAPITULO VII – A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

Nesse mesmo capítulo, o leitor-narrador exerce sua veia ensaística mais uma vez, ao presentear o leitor com um belo trabalho de análise das personagens femininas da obra machadiana: “Nos seus escritos literários [...] a bela, sedutora e privilegiada figura poética feminina vem envolta pela aura não só da dissimulação [...] como também da ambiguidade” (Santiago, 2016, p. 246). 

O narrador trabalhará a desconstrução da figura clássica do feminino até alcançar as sutilezas performáticas do caráter feminino das personagens machadianas que, de certo modo, impossibilitam a plenitude da felicidade do casal, não há final feliz na obra de Machado de Assis, como nos diz o narrador-ensaísta: “A dissimulação feminina se confunde com a dúvida masculina, seu original; ela é cópia da dissimulação-maquinada-para ela pelo ciumento. A cópia feminina acaba por ser, do ponto de vista da retórica do romance machadiano, tão verossímil quanto o original masculino” (Santiago, 2016, p. 251).

Mário encontra na personagem Dona Carmo, de Memorial de Aires, a duplicada finada esposa Carolina. O narrador então narra a morte de Carolina, vítima de tumor no intestino, no dia 20 de outubro de 1904. Ela foi acompanhada em seus derradeiro dias pelo médico Miguel Couto.

 O Narrador se dedica a narrar a posse de Mário de Alencar na Academia Brasileira de Letras e os debates sobre seu discurso de posse.


CAPÍTULO VIII – A FACA TEM DUAS PONTAS, UMA DELAS ASSASSINA


Este capítulo começa focado no doutor Miguel Couto e todo seu estudo no tratamento da epilepsia. Depois foca-se em Machado de Assis e Mário de Alencar no ano de 1907. A saúde do bruxo do Cosme Velho se agrava cada vez mais, como também se agrava a ansiedade e a solidão de Mário.

O narrador apresenta o antagonismo de Machado e Mário, o primeiro era velho, não teve filhos e apresentava introversão; já o segundo, novo, tinha uma prole e era extrovertido. Há uma tentativa do narrador de traçar a filiação literária de cada um.

O narrador estabelece, na relação entre pares, a intromissão de um terceiro elemento que relativiza a operação e esclarece posições em conflito. A mediação exercida por outras personagens abre o jogo mimético exercido entre os duplos e desfaz simetrias entre eles. Entre Machado e Mário de Alencar, por exemplo, insere-se a figura de José de Alencar, pai biológico do amigo e escritor renomado, escolhido por Machado como seu patrono ao assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Seu papel mediador configura-se pelo estabelecimento da metáfora familiar de modo indireto. Por intermédio da carta endereçada a Machado por Alencar, em 1868, Mário – seu filho espiritual – irá solicitar-lhe o envio da cópia, a lápis, do pai biológico. A consolidação do triângulo literário se filia ao familiar, no qual se legitima a continuidade literária do filho pelo pai legítimo e o espiritual. Condensam-se, em palimpsesto, a escrita original e a cópia, a favor da continuidade das gerações literárias e da conquista, mesmo que tumultuada, da posse de Mário de Alencar na Academia: “A cópia a lápis garante a Mário que é ele próprio quem – de posse do rascunho de 1906 – que é a reprodução ipsis litteris da carta de 1868 – intervém de modo subversivo no ciclo evolutivo das gerações literárias”

O capítulo termina com a visita de Paul Doumer que deseja a Machado pronta melhora.

CAPÍTULO IX – MANASS´S E EFRAIM

O narrador já anuncia a pouca vida pela frente que Machado tem e que terminará no dia 29 de setembro de 1908. A relação do mestre com seu discípulo Mário de Alencar é de extrema confiança. Mário é o alter ego do velho Machado de Assis.

É ainda por meio da imagem familiar retirada da Bíblia e apropriada por Machado do nome de um dos filhos de José, Manassés, pseudônimo do autor no conto “A chinela turca”, publicado inicialmente na revista editada por Nabuco, que o narrador articula a relação intelectual entre Machado e o político do Império.

Por meio da escolha do pai pelo filho mais novo (Efraim) e não o mais velho (Manassés), contrariando as leis da progenitura, é que o pseudônimo atua como peça a ser montada no relacionamento intelectual entre os dois expoentes do pensamento brasileiro da época. Machado, o mais velho, o que “traz gravados no nome próprio todos os padecimentos sofridos pelo pai”, não é o escolhido, sendo substituído por Efraim, o fecundo (mais uma vez o nome próprio José atua como mediador).

As diferenças entre eles são pontuadas pelo narrador, na intenção de ressaltar a união entre literatura e política, entre esterilidade e fecundidade, entre branco e negro. 

Na defesa da abolição da escravatura, Nabuco e Machado, em uníssono, se complementam e tornam-se companheiros fraternos: “No palco da literatura, os gestos sugestivos e silenciosos do mímico africano maquiado de branco, se transportados para o palanque da praça pública e da Câmara, se expressariam pela fala aberta e clara do político branco a defender a alforria dos escravos africanos. Os sinais mais evidentes da complementação dos gestos de Machado pelas palavras de Nabuco, das vidas de Machado e de Nabuco pelo respectivo projeto literário e político, se localizam nos primeiros anos da década de 1880”.

A polêmica Alencar/Nabuco, travada no jornal, seria outro meio indireto de aproximar Nabuco de Machado e refletir sobre os caminhos do pensamento literário e cultural brasileiro do final do século quanto à questão identitária. 

Entre o espírito cosmopolita e revolucionário do político, contracenava a defesa de uma literatura nacionalista em Alencar, aproximando-se, assim, Machado das ideias de Nabuco. Neste triângulo aí criado, a presença de José de Alencar funciona como contraponto à proposta de ambos, sem que essa posição desmereça a importância que o escritor cearense representa para Machado e a literatura brasileira.

CAPÍTULO X – TRANSFIGURAÇÃO

O capítulo começa com a relação de leitor de Machado com as obras de Sthendal e Flaubert. Depois se desloca para a obra de Rafael de Sanzio, Transfiguração.



A curiosidade de Machado de Assis era adubada pela obra, que foi admirada e criticada por Joaquim Nabuco: “Que decepção! ...Exemplo da impotência do gênio parra pintar Deus”. Machado não se contenta com a negativa de Nabuco sobre a obra e até estranha a crítica. Quincas Borba, personagem do romance homônimo, é quem reflete de forma inconsciente, intencional, compensatória etc a atitude complexa de Nabuco.


É diante da leitura de várias análise da tela que, como forma de representação ou de mímica, que um elevação menos branca e menos luminosa, mais negra e mais obscura, mais enigmática que a dada pela transfiguração do Cristo, seu corpo passaria também, segundo a lição de São Marcos, pela morte e pela ressurreição. 

O capítulo apresenta uma citação de Mallarmé: “Qual em si mesmo enfim a eternidade o muda”. Uma carta de Mário de Alencar, datada no dia 24 de dezembro de 1908, relatando a falta de o escritor faz em seus dias, relembrando os três últimos dias de vida do autor acamado e o que fica é uma sombra que escurece o espetáculo da vida.

Assista a entrevista e comentário de Silviano Santiago sobre o livro no Roda Viva
















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