É um livro que se deseja ao mesmo tempo ensaístico, historiográfico, ficcional e com pinceladas de crônica de costumes – o gênero romance, escrito na capa do livro, não passa de uma ironia nos moldes machadianos.
Em Machado, é indiscutível o
papel do leitor na figura do narrador, seja na perspectiva do leitor crítico da
obra e vida de Machado de Assis, seja na do leitor crítico do período
político-social que compreende o fim do Império e o início da República na
antiga Capital Federal do Brasil, então situada no Rio de Janeiro.
O leitor-autor ou o
leitor-narrador de Machado – Silviano Santiago real e personagem mesclam-se a
tal ponto que é impossível definir onde começa um e termina o outro – busca
validar seu texto por meio da importância do leitor na produtividade e na
sobrevivência da obra, validação que se revela essencial para seu projeto
livresco exposto a outros leitores – os leitores de Machado – ao longo de suas
421 páginas: “A boa leitura torna-se responsável pela vida eterna da obra de
arte”.
O livro é dividido em dez partes
que se seguem apontadas suas informações principais.
PARTE 1 – CARLOS DE LAET, MACHADO DE ASSIS E GUSTAVE FLAUBERT
Morte de dona Carolina
(20/10/1904) e o impacto desse fato na vida de Machado. Nenhum móvel da casa
podia ser tirado do lugar em que D. Carolina deixara. Toda manhã a mesa era
posta para duas pessoas como se o espírito dela viesse tomar café com o marido.
Empregadas, as quais Machado
alongara os nomes: Carolina Pereira e Jovita Maria.
Emprego: chefe de contabilidade
no Ministério da Industria, Viação e Obras Públicas.
Passava os finais de tarde na
livraria Garnier a conversar com colegas de literatura e na recém fundada
Academia Brasileira de Letras, da qual era o presidente desde sua criação.
Corre como fofoca o agravamento
de sua condição de saúde, suas vertigens(epilepsia), por não seguir direito as
recomendações médicas e principalmente não conseguir evitar o café.
Em uma crise na rua Gonçalves
Dias é socorrido pelo professor (monarquista) Carlos de Laet, que estava
zombando da reforma ortográfica proposta pela ABL.
Carlos de Laet conduz Machado até
um farmacêutico que se encarrega de medicar o escritor. Recuperado, Machado é
acompanhado por Laet até o bonde, mas não permite que ele o acompanhasse na
viagem.
Há, em várias partes do livro
descrições das transformações as quais passam a cidade, como a demolição do
hospital da ordem terceira de são Francisco para alargar a avenida.
“A beleza artística é uma forma
arrogante e salutar da doença que devasta o ser humano”.obs. talvez uma forma
que Laet encontrou para explicar o talento ímpar de Machado. Sem a doença ele
não se diferenciaria de José de Alencar. A doença lhe deu outra visão de seu
tempo. Laet, para ilustrar mais sua tese, cita o caso de Aleijadinho.
Donos do Jornal do Brasil, irmãos
Mendes, Fernando e Cândido, apelidados de Esaú e Jacó. Fernando era republicano
e Cândido era monarquista.
O fim da primeira parte apresenta
a comoção de Carlos de Laet pela morte de Machado.
PARTE 2 – 29 DE SETEMBRO
A data que dá título a esta parte
corresponde a ligação do autor do livro com o bruxo do Cosme Velho; afinal, no
dia 29 de setembro de 1908, morria Machado e em outro 29 de setembro, mas de
1936, nascia Silviano Santiago.
Esta parte é quase um pastiche da
escrita de Machado de Assis. Silviano Santiago, ou melhor, o narrador do
romance faz uma reflexão sobre seu papel de romancista, sua relação com
Machado.
As epígrafes retomam a análise da
parte anterior, apontando em texto o efeito da epilepsia na obra de Flaubert e
outra de Machado “Não consultes médico, consulta alguém que tenha estado
doente”. Esta citação é a estratégia se Silviano Santiago ao analisar a relação
das doenças de Flaubert, Aleijadinho, Machado e agora de Mário de Alencar(filho
de José de Alencar) e o desenvolvimento artístico deles.
O narrador prepara para abrir o tomo
V da correspondência de Machado de Assis em seus últimos quatro anos. Ele tem
primeiramente um contato sensorial com conjunto de cartas.
Relata os texto trazidos no
obituário do escritor, exaltando uma e outra característica de sua escrita.
Aponta a transformação da cidade
sob as ordens do engenheiro Paulo de Frontin que enche ruas e passeios de pó,
resíduo da destruição de cortiços e casebres. Afirma que esse sopro de
civilização do Rio é para os europeus e não para os brasileiros. Chega afirma
que o Brasil de americaniza para os colonizadores do velho mundo.
Começa comentar a carta escrita
pelo amigo Mário de Alencar para Machado de Assis em 26 de fevereiro de 1906.
Brinca com as iniciais do emissor e do destinatário. De M. de A. para M. de A..
Mário de Alencar, discípulo de Machado de Assis, havia vencido a eleição para
ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letra em 10 de outubro de 1905.
Ressalta também a cumplicidade de
mestre e discípulo como portadores da mesma doença (epilepsia) e pacientes do
mesmo médico, dr. Miguel Couto.
O narrador faz questionamento a
partir de um trocadilho com um ditado popular, diz que, no caso de Machado, Aleijadinho,
Flaubert e Mário de Alencar, Deus escreve direito as vidas tortas? e responde
com um versículo (13) do Eclesiastes: “Olha a obra de Deus: Quem poderá
endireitar o que ele fez torto”? – Ninguém!
O narrador relata o lento
desaparecimento do escritor. Os anos e anos tomando anticonvulsivos tóxicos
levaram ao desgaste crônico do tubo digestivo, seu estomago foi se
estraçalhando desde os anos de 1880 quanto tomava xarope de laranjas-amargas
com bromureto de potássio. Alimentar-se ficou muito difícil. Tentaram
alimentá-lo com uma dieta láctea para desintoxicação, mas o leite não parava
para digestão, ainda por cima sofria com constantes diarreias.
Termina essa parte retomando as
mudanças da cidade, o crescente número de desalojados, o grande número de
operários e ferramentas em trabalho e o aumento do custo de vida, por exemplo o
aluguel da residência de Machado de Assis.
PARTE 3 – OS VITORIOSOS
As epígrafes do capítulo remetem
à grande obra de infraestrutura para o abastecimento de água no Rio de Janeiro.
Cita a frase do Imperador Pedro II, “A ciência sou eu”. É importante lembrar
que estamos em 1906, logo período republicano.
O narrador começa por analisar
uma crônica de Olavo Bilac, publicada no dia 21 de janeiro de 1906, no jornal
Gazeta de notícias, sediado no Rio de Janeiro. Ela relata o período de cinco
meses sem chuvas que eram prejudicados ainda mais pelo excesso de poeira
acumulada devido a abertura da avenida central.
Conta que no teatro São Pedro era
apresentada a pantomima (representação de uma história exclusivamente através
de gestos, expressões faciais e movimentos/ mímica) São Pedro debaixo de água, representada pelos conhecidos palhaços
do Circo Sul-americano. Foi um escândalo por se tratar de atores populares em
uma requintada casa teatral. Até Arthur Azevedo, contista e autor de peças
teatrais do gosto da burguesia, escreveu uma crítica feroz sobre o espetáculo.
A peça tratava da descida de São
Pedro ao aristocrático teatro que leva seu nome e à praça Tiradentes, antiga da
Constituição, com fim de apresentá-lo e a seu variado grupo de comparsas à
população carente de água do Rio.
O cenário era formado por uma
grande piscina, cheia de barcos e lanchas em pleno auditório. Um homem vestido
de sobretudo e cartola se intromete na apresentação e entre palmas e vaias
acaba na delegacia e declara: porque afinal é justo que os palhaços tenham
tanta água em trinta segundos, quando eu, que sou homem sério, casado, pai de
filhos, não tenho em casa uma gota há trinta dias.
O narrador, logo depois,
desloca-se temporalmente para narrar a grande obra de Paulo de Frontin, no
final do Segundo Império, conseguindo em seis dias, criar a distribuição de
água para a elite e centro do Rio de Janeiro, a qual alude a charge abaixo:
Porém em fevereiro de 1906 uma forte chuva cai sobre a capital do país, pesadelos de enchentes se modernizaram, as águas das nascentes dos rios escorrem das montanhas que cercavam a cidade e a alagam. Casas e casebres desabam, pedras enormes deslizam, as ruas ficam repletas de ruínas. Nada adiantou os novos bulevares. O trabalho dos sanitaristas foi em vão diante do novo ritmo acelerado de propagação de doenças.
Agora o narrador volta para Mário
de Alencar, recentemente nomeado escritor imortal da ABL, que se prepara para
ir à consulta do doutor Miguel Couto. Mário era formado em direito e concursado
da secretaria da Câmara dos Deputados. Sua candidatura para ABL foi patrocinada
por Machado de Assis, e disputou a cadeira de imortal contra o jornalista
Domingos Olímpio, autor do romance Luzia-homem,
que era cearense como seu pai, José de Alencar. A imprensa julga a vitória de
Mário injusta.
Um artigo assinado com pseudônimo
de Pangloss(personagem do livro Cândido
ou o otimismo, de Voltaire, criticava acidamente a vitória de Mário de
Alencar, porém o que mais mexeu com o jovem escritor foi uma coluna, de forma
espelhada a da crítica, que comentava o suicídio de uma moça de dezessete anos,
srta Aldemira Augusta de Queiroz.
Essa coincidência gera um pensamento sombrio sobre o jovem, que o faz pensar em sua doença e a ideia que todos imortais da Academia estavam perto da morte. Então escreve uma carta a seu mestra, Machado de Assis, com um tom bem sombrio. Machado o responde logo, com uma frase do pai do rapaz, o grande escritor José de Alencar: “Só nos ermos em que não caíram as fezes da civilização, a terra conserva ainda a divindade de berço. Aqui tudo é puro e são. O corpo banha-se em águas cristalina, como o espírito na limpidez deste céu”.
Mário responde imediatamente e
diz ao mestre que está desalentado com a vitória à cadeira da ABL e que não se
abate com a hostilidade de Pangloss(pseudônimo de Alcindo Guanabara). O que lhe
bate é o temor da morte iminente que, logo depois dos dezessete votos contra
nove, passa a segui-lo como um morto vivo.
Mário de Alencar vivia com sua
esposa Baby e seus cinco filhos e uma nova agregada morta-viva, a jovem suicida
Aldemira. Há uma associação de Aldemira com o personagem José Dias em Dom
Casmurro.
PARTE 4 – 23 DE FEVEREIRO DE 1906, DEZ HORA DA MANHÃ
Essa parte se aprofunda na relação de Machado de Assis e seu discípulo Mário de Alencar, além de descrever a consulta deste ao médico Miguel Couto.
Mesmo passado quatro meses da
eleição de Mário de Alencar à Academia Brasileira de Letras, Mário está mais
sentimental como nunca. Desde o dia 13 de novembro de 1905 que Mário e Machado
se tornaram unha e carne, camaradas confidentes e dependentes.
Machado também é sensível aos
efeitos negativos da recente eleição da ABL. Machado perdeu o antigo recato de
cavaleiro do Império e a cada momento se trai nas conversas com Mário de
Alencar.
Mário ver suas crises aumentarem:
dores de cabeça, pupilas dilatadas, ausências, contrações e distensões não são
sintomas difíceis de ser descodificados por Machado. Já abatido com a doença,
Mário que se transformar no médico de si mesmo”, Paródia de Silviano Santiago
para a expressão grega Hautontiroumenos (carrasco
de si mesmo).
Machado aconselha Mário para não
mais recorrer ao Dicionário de Medicina Popular, de Pedro Chernoiz, e que devia
ir à consulta com o Dr, Miguel Couto.
Machado tenta de todos os
recursos provar ao discípulo a necessidade de ajuda médica e lhe envia até uma
página do dicionário supra citado, em que o autor é cauteloso a tratamento sem
orientação médica. Enfim Mário de convence, mas não expõe a sua esposa, Baby.
Durante a consulta, o narrador
expõe que o próprio médico sofre também de uma doença que tenta esconder, o
Vitiligo.
Dr. Miguel Couto desconfia que a
doença de Mário é mais psicológica do que biológica, fruto do convívio com o
verdadeiro doente Machado de Assis, e chega perguntar ao cliente o que ele
pensa da imitação. Por outro lado, Mário se apresenta calmo, até a pergunta.
Escondendo fatos marcante da doença, como as crises, as ausências e as dores de
cabeça.
Depois de ficar irritado com a
pergunta, Mário segue a narrar os fatos sendo menos defensivo. Depois o
narrador abre uma longa escrita sobre a formação do doutor. Parado à sua frente
Mário espera a palavra salvadora e fica aterrorizado com lembrança súbita do
suicídio de um marinheiro. O médico acredita que não há doença no cliente, que
tudo passa de fingimento e receita placebos para amenizar o psicológico do
cliente. Porém o narrador relata que algo semelhante aconteceu com Flaubert ao
ser analisado por seu pai como imitação e o autor teve que conviver com a
doença e virar o grande escritor que foi.
CAPITULO 5 – A RODA DE FORRTUNA, A RODA DOS ENJEITADOS Mário desde a saída do
consultório de Dr. Miguel Couto anda abraçado à melancolia. Mário só reencontra
o prazer da vida em companhia de Machado de Assis. O narrador compara
aproximação dos amigos Machado e Mário como uma relação de pai e filho. (ponto
importante para a relação com o livro O
filho de Machado de Assis).
Capítulo mais descritivo até
aqui.
O narrador foca-se no expediente
dos três personagens mais destacados até aqui: Machado, Mário e o Dr. Miguel
Couto. Continua também a narrar as transformações do Rio de Janeiro a partir do
fim do império, as correntes migratórias após o fim da escravidão entre outras
coisas. Descreve a antiga roda dos enjeitados, uma espécie de creche para
crianças que os pais não podem ou não querem criar.
CAPÍTULO 6 – A ESCADA E O LUSTRE: A SOLIDARIEDADE HUMANA
O capítulo começa narrando o
acidente de automóvel envolvendo dois Migueis da vida de Machado de Assis:
Miguel Calmon, ministro chefe de sua repartição, e Miguel Couto, seu médico.
O narrador volta a descrever
acontecimento e transformações na cidade do início da república à primeira
década de 1900. Aponta as transformações arquitetônicas e artísticas que passam
a edificar e decorar os palacetes e prédios oficiais desta época. Essa
descrição arquitetônica termina por descrever o chalé do Cosme Velho,
residência de Machado de Assis.
Em seu gabinete, Machado idealiza
seu último e definitivo romance: Memorial
de Aires, que viria ser terminado em 1907 e chega aos leitores em 1908. O
protagonista desse diário íntimo é também personagem de Esaú e Jacó, seus
filhos briguentos.
Machado de Assis associa a escada
à relação entre Memorial de Aires e Esaú e Jacó. O primeiro é romance de
gênero diário, logo narrado em primeira pessoa, o segundo é um romance em
terceira pessoa. Na condição de eixo de
sustentação pelos gêneros conflitantes, Aires desequilibra o que se
apresentaria como duas asas de borboletas, semelhantes e opostas, partes de um
conjunto ficcional fechado.
O narrador faz uma grande alusão
ao livro Esaú e Jacó para depois voltar na resposta de Machado a carta de Mário
de Alencar. E na troca de carta e comentários a amizade de mestre e discípulo
se acentua.
CAPITULO VII – A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
Nesse mesmo capítulo, o
leitor-narrador exerce sua veia ensaística mais uma vez, ao presentear o leitor
com um belo trabalho de análise das personagens femininas da obra machadiana:
“Nos seus escritos literários [...] a bela, sedutora e privilegiada figura
poética feminina vem envolta pela aura não só da dissimulação [...] como também
da ambiguidade” (Santiago, 2016, p. 246).
O narrador trabalhará a desconstrução
da figura clássica do feminino até alcançar as sutilezas performáticas do
caráter feminino das personagens machadianas que, de certo modo, impossibilitam
a plenitude da felicidade do casal, não há final feliz na obra de Machado de
Assis, como nos diz o narrador-ensaísta: “A dissimulação feminina se confunde
com a dúvida masculina, seu original; ela é cópia da
dissimulação-maquinada-para ela pelo ciumento. A cópia feminina acaba por ser,
do ponto de vista da retórica do romance machadiano, tão verossímil quanto o
original masculino” (Santiago, 2016, p. 251).
Mário encontra na personagem Dona
Carmo, de Memorial de Aires, a
duplicada finada esposa Carolina. O narrador então narra a morte de Carolina,
vítima de tumor no intestino, no dia 20 de outubro de 1904. Ela foi acompanhada
em seus derradeiro dias pelo médico Miguel Couto.
O Narrador se dedica a narrar a posse de Mário
de Alencar na Academia Brasileira de Letras e os debates sobre seu discurso de
posse.
CAPÍTULO VIII – A FACA TEM DUAS PONTAS, UMA DELAS ASSASSINA
Este capítulo começa focado no
doutor Miguel Couto e todo seu estudo no tratamento da epilepsia. Depois
foca-se em Machado de Assis e Mário de Alencar no ano de 1907. A saúde do bruxo
do Cosme Velho se agrava cada vez mais, como também se agrava a ansiedade e a
solidão de Mário.
O narrador apresenta o
antagonismo de Machado e Mário, o primeiro era velho, não teve filhos e
apresentava introversão; já o segundo, novo, tinha uma prole e era
extrovertido. Há uma tentativa do narrador de traçar a filiação literária de
cada um.
O narrador estabelece, na relação entre pares, a intromissão de um terceiro elemento que relativiza a operação e esclarece posições em conflito. A mediação exercida por outras personagens abre o jogo mimético exercido entre os duplos e desfaz simetrias entre eles. Entre Machado e Mário de Alencar, por exemplo, insere-se a figura de José de Alencar, pai biológico do amigo e escritor renomado, escolhido por Machado como seu patrono ao assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Seu papel mediador configura-se pelo estabelecimento da metáfora familiar de modo indireto. Por intermédio da carta endereçada a Machado por Alencar, em 1868, Mário – seu filho espiritual – irá solicitar-lhe o envio da cópia, a lápis, do pai biológico. A consolidação do triângulo literário se filia ao familiar, no qual se legitima a continuidade literária do filho pelo pai legítimo e o espiritual. Condensam-se, em palimpsesto, a escrita original e a cópia, a favor da continuidade das gerações literárias e da conquista, mesmo que tumultuada, da posse de Mário de Alencar na Academia: “A cópia a lápis garante a Mário que é ele próprio quem – de posse do rascunho de 1906 – que é a reprodução ipsis litteris da carta de 1868 – intervém de modo subversivo no ciclo evolutivo das gerações literárias”
O narrador estabelece, na relação entre pares, a intromissão de um terceiro elemento que relativiza a operação e esclarece posições em conflito. A mediação exercida por outras personagens abre o jogo mimético exercido entre os duplos e desfaz simetrias entre eles. Entre Machado e Mário de Alencar, por exemplo, insere-se a figura de José de Alencar, pai biológico do amigo e escritor renomado, escolhido por Machado como seu patrono ao assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Seu papel mediador configura-se pelo estabelecimento da metáfora familiar de modo indireto. Por intermédio da carta endereçada a Machado por Alencar, em 1868, Mário – seu filho espiritual – irá solicitar-lhe o envio da cópia, a lápis, do pai biológico. A consolidação do triângulo literário se filia ao familiar, no qual se legitima a continuidade literária do filho pelo pai legítimo e o espiritual. Condensam-se, em palimpsesto, a escrita original e a cópia, a favor da continuidade das gerações literárias e da conquista, mesmo que tumultuada, da posse de Mário de Alencar na Academia: “A cópia a lápis garante a Mário que é ele próprio quem – de posse do rascunho de 1906 – que é a reprodução ipsis litteris da carta de 1868 – intervém de modo subversivo no ciclo evolutivo das gerações literárias”
O capítulo termina com a visita
de Paul Doumer que deseja a Machado pronta melhora.
CAPÍTULO IX – MANASS´S E EFRAIM
O narrador já anuncia a pouca
vida pela frente que Machado tem e que terminará no dia 29 de setembro de 1908.
A relação do mestre com seu discípulo Mário de Alencar é de extrema confiança.
Mário é o alter ego do velho Machado de Assis.
É ainda por meio da imagem
familiar retirada da Bíblia e apropriada por Machado do nome de um dos filhos
de José, Manassés, pseudônimo do autor no conto “A chinela turca”, publicado
inicialmente na revista editada por Nabuco, que o narrador articula a relação
intelectual entre Machado e o político do Império.
Por meio da escolha do pai pelo
filho mais novo (Efraim) e não o mais velho (Manassés), contrariando as leis da
progenitura, é que o pseudônimo atua como peça a ser montada no relacionamento
intelectual entre os dois expoentes do pensamento brasileiro da época. Machado,
o mais velho, o que “traz gravados no nome próprio todos os padecimentos
sofridos pelo pai”, não é o escolhido, sendo substituído por Efraim, o fecundo
(mais uma vez o nome próprio José atua como mediador).
As diferenças entre eles são
pontuadas pelo narrador, na intenção de ressaltar a união entre literatura e
política, entre esterilidade e fecundidade, entre branco e negro.
Na defesa da
abolição da escravatura, Nabuco e Machado, em uníssono, se complementam e
tornam-se companheiros fraternos: “No palco da literatura, os gestos sugestivos
e silenciosos do mímico africano maquiado de branco, se transportados para o
palanque da praça pública e da Câmara, se expressariam pela fala aberta e clara
do político branco a defender a alforria dos escravos africanos. Os sinais mais
evidentes da complementação dos gestos de Machado pelas palavras de Nabuco, das
vidas de Machado e de Nabuco pelo respectivo projeto literário e político, se
localizam nos primeiros anos da década de 1880”.
A polêmica Alencar/Nabuco,
travada no jornal, seria outro meio indireto de aproximar Nabuco de Machado e
refletir sobre os caminhos do pensamento literário e cultural brasileiro do
final do século quanto à questão identitária.
Entre o espírito cosmopolita e
revolucionário do político, contracenava a defesa de uma literatura
nacionalista em Alencar, aproximando-se, assim, Machado das ideias de Nabuco.
Neste triângulo aí criado, a presença de José de Alencar funciona como
contraponto à proposta de ambos, sem que essa posição desmereça a importância
que o escritor cearense representa para Machado e a literatura brasileira.
CAPÍTULO X – TRANSFIGURAÇÃO
O capítulo começa com a relação
de leitor de Machado com as obras de Sthendal e Flaubert. Depois se desloca
para a obra de Rafael de Sanzio, Transfiguração.
A curiosidade de Machado de Assis
era adubada pela obra, que foi admirada e criticada por Joaquim Nabuco: “Que
decepção! ...Exemplo da impotência do gênio parra pintar Deus”. Machado não se
contenta com a negativa de Nabuco sobre a obra e até estranha a crítica. Quincas
Borba, personagem do romance homônimo, é quem reflete de forma inconsciente,
intencional, compensatória etc a atitude complexa de Nabuco.
É diante da leitura de várias
análise da tela que, como forma de representação ou de mímica, que um elevação
menos branca e menos luminosa, mais negra e mais obscura, mais enigmática que a
dada pela transfiguração do Cristo, seu corpo passaria também, segundo a lição
de São Marcos, pela morte e pela ressurreição.
O capítulo apresenta uma citação
de Mallarmé: “Qual em si mesmo enfim a eternidade o muda”. Uma carta de Mário
de Alencar, datada no dia 24 de dezembro de 1908, relatando a falta de o
escritor faz em seus dias, relembrando os três últimos dias de vida do autor
acamado e o que fica é uma sombra que escurece o espetáculo da vida.
Assista a entrevista e comentário de Silviano Santiago sobre o livro no Roda Viva
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